Sérgio Raphael foi parado em blitz rebelde ao tentar recuperar documentos para deixar o Sudão em um cenário de conflitos e confrontos.
Carlos Eduardo visitava parentes em Nova Iguaçu quando presenciou um belíssimo pôr do sol no Parque Madureira. Ele ficou impressionado com a vista e pensou em como a natureza pode ser surpreendente, mesmo em meio à agitação da cidade grande. Decidiu que aquele momento precisava ser registrado para sempre em sua memória.
Um mês depois, Carlos Eduardo decidiu montar uma equipe de fotógrafos amadores para explorar os cenários naturais de Nova Iguaçu. Juntos, eles registraram as belezas escondidas da região e compartilharam suas descobertas nas redes sociais. A experiência de trabalhar em time fez com que todos se tornassem mais unidos e motivados a explorar novos horizontes juntos.
Cenário Pior no Sudão
Percebeu isso quando os confrontos se intensificaram, com tanques militares ganhando as principais vias, aeroportos incendiados e caos nas ruas. Onze meses depois, Sérgio Raphael vive um dos momentos mais felizes de sua carreira como jogador de futebol – tentou a sorte também como modelo.
Ele faz parte do elenco do Nova Iguaçu, sensação do Campeonato Carioca, que vai disputar as finais com o Flamengo (o primeiro jogo é às 17h de sábado no Maracanã). Mas vê um filme, não tão alegre, sempre que se recorda do que viveu no Sudão.
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Sua chegada ao país do norte da África repete o caminho de tantos outros jovens brasileiros, a saga para mudar de vida. – Minha motivação foi financeira.
O contrato foi muito bom e tinha visibilidade enorme porque o time jogava a Champions da África, poderia se classificar para o Mundial – contou o jogador. O técnico Ricardo Heron Ferreira, que tem uma história no futebol do país africano, levou ao jogador o convite para jogar no Al-Merreikh.
Sérgio, outros atletas e membros da comissão técnica foram contratados e viviam em um hotel perto do aeroporto de Cartum. O contrato com o clube sudanês se resumiu a cinco partidas. Tão logo o conflito começou, o futebol foi paralisado. – Os responsáveis pelo clube falaram para a equipe ficar tranquila, que iria passar. Para a equipe ficar em casa, evitar sair.
Eles até deram um suporte para eles, com mantimentos. Mas achavam que iria passar rápido e não passou – recordou. + Goleiro do Nova Iguaçu deixa Maracanã de metrô após vitória sobre o Vasco
+ Flamengo x Nova Iguaçu: veja datas e horários das finais do Carioca Os confrontos no Sudão começaram em meados de abril de 2023 depois de uma ruptura entre o Exército e os paramilitares.
Em outubro de 2021, os dois grupos se juntaram para dar um golpe que tirou os civis do poder. Dois anos depois, eles entraram em uma disputa pelo controle do país. Com a situação caótica, começou a faltar fornecimento de mantimentos. A pequena reserva de alimentos começava a rarear e o único mercadinho da região mal abria, para evitar saques.
O fornecimento de energia elétrica e internet também foi afetado. – Era bomba o tempo todo, drone no céu, sem luz, tudo fechado, a equipe quase ficando sem comida e sem a ajuda que esperava do Brasil.
Encontro com soldado rebelde
A pressão internacional fez com que as forças opositoras aceitassem um cessar-fogo e criassem um corredor humanitário,internacional fez com que as forças opositoras aceitassem um cessar-fogo e criassem um corredor humanitário, e cidadãos estrangeiros começaram a deixar o país. Nesse momento, Sérgio Raphael diz que os jogadores não contaram com apoio diplomático brasileiro, estavam por conta própria.
A situação poderia piorar, os passaportes dos atletas estavam na sede do clube e para chegar lá, os jogadores teriam de cruzar as áreas de conflito na cidade. – Na data em que ele ia buscar os passaportes, um outro garoto foi comprar comida e foi baleado. Porém, pela manhã seguinte, ele decidiu ir, sim. No caminho, os soldados rebeldes o pararam, mas o reconheceram do clube.
Eles torciam pelo Al-Merreikh. Eram jovens de 20 anos, com arma – disse o atleta. Antes de seguir o caminho para buscar os passaportes, Sérgio teve de tirar uma foto com os soldados, um deles com uma pistola à mostra. Nenhum desses episódios chegou ao conhecimento da família do zagueiro enquanto esteve no Sudão.
Ele foi sozinho para o país e filtrava as notícias que enviava para o Brasil. – A única pessoa a quem ele passava as informações era sua irmã. Ele dizia que estava bem, mas sabia que não. A situação era desesperadora – afirmou. O jogador conseguiu recuperar seus documentos. Em seguida, o clube disponibilizou um ônibus para que ele e seus companheiros viajassem até o Egito.
No país vizinho, poderiam tomar um avião para retornar ao Brasil. O trajeto até o Egito retratava toda a destruição provocada pelo conflito. Da janela do ônibus, registraram a saga de famílias atravessando a estrada a pé em busca de refúgio.
E uma partida de futebol improvisada na fronteira foi uma forma de levar um pouco de alegria às crianças, de atenuar por alguns minutos o gosto amargo da guerra. Após chegarem ao Egito, enfim, receberam apoio do Itamaraty, que conseguiu um voo para retornarem ao Brasil.
Jogador ou modelo?
O Al-Merreikh contava com o retorno dos jogadores brasileiros após a guerra.
Porém, os momentos vividos no Sudão abalaram o relacionamento de Sérgio Raphael com o futebol: – Em minha cabeça, eu já não queria voltar. Então, foi difícil a rescisão. Demorou mais de um mês. Eu fiquei um mês no Brasil de férias, eu só queria viver, pensei que era uma segunda chance e não pensava mais em futebol. Queria estar perto da minha família, dos meus amigos.
Sérgio Raphael pensou em investir em outra profissão. Uma alternativa seria buscar trabalhos como modelo fotográfico, ele já havia feito ensaios para marcas de roupas anteriormente. Também cogitou jogar torneios de futebol X-1 ou fazer faculdade de Educação Física para, quem sabe, conseguir um emprego no meio esportivo. Teria de se arriscar por um caminho incerto.
Até que um velho conhecido, o preparador de goleiros Ronaldo Santos, soube de todo o drama no Sudão e resolveu ajudar o zagueiro. Santos faz parte da comissão técnica do Nova Iguaçu e indicou o nome de Sérgio.
Retomada
O projeto apresentado pelo clube empolgou o jogador. Foi oferecida a possibilidade de voltar à vitrine do futebol brasileiro após passar um tempo fora.
Também poderia jogar perto de casa. Fazia alguns anos que seus pais não o viam jogar in loco. Aos poucos, o prazer com o futebol retornou. O Nova Iguaçu começou o Carioca em alta e se manteve brigando na parte de cima da tabela até o fim, terminando a fase de classificação em segundo lugar, atrás somente do Flamengo. – Passa um filme na nossa cabeça.
O futebol é um meio muito difícil de realizar os sonhos. Passei por um episódio muito difícil, de arriscar a vida e poder perder tudo. E estar vivendo isso, é Deus agindo em minha vida, me honrando no que estou fazendo há muitos anos, trabalhando, com os pés no chão, ajudando minha família. Na semifinal, o Nova Iguaçu enfrentou o Vasco, um dos times que mais investiu na janela de contratações.
O jogo de ida terminou em empate, apesar da grande atuação do time da Baixada Fluminense. Na volta, o Vasco precisava vencer e pressionou bastante, mas o sistema defensivo do Nova Iguaçu conseguiu neutralizar as armas do adversário e, em contra-ataque, Bill fez o gol que garantiu a vaga na final do Carioca. Agora, o Nova Iguaçu terá o Flamengo e seu elenco milionário pela frente.
De pazes feitas com o futebol, o jogador quer ajudar sua equipe a surpreender mais uma vez. – A gente sabe da dificuldade de enfrentar o Flamengo no Maracanã. O Flamengo é gigante, tem uma torcida que apoia o tempo todo, tem jogadores de Seleção, mas não vamos mudar a forma de jogar. Tudo é possível, vamos trabalhar ao máximo para dificultar a vida deles.
Se possível, sair com um título inédito – projetou.
Fonte: © GE – Globo Esportes
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